imagens, registros e reflexões sobre a versão em HQ de "As Barbas do Imperador" de Lília Moritz Schwarcz

terça-feira, 9 de agosto de 2011

e lá vem prédio!


Estamos no dia da coroação de Sua Majestade D.Pedro II, em 18 de julho de 1840.
Um edifício provisório, chamado "Varanda" - será desmontado após a cerimônia - foi construído especialmente para a solenidade.
Tenho duas imagens de referência, um desenho técnico meio borrado, e uma pintura, cujos detalhes, vendo de perto, não conferem entre si:


E "inventei" de fazer um vôo razante nas próximas duas páginas, mostrar detalhes, as esculturas da Sabedoria e da Justiça aos pés da escada, uma quadriga no alto da parte central (o "Templo") e duas bigas nos blocos laterais; são detalhes que o livro da Lília enfatiza, pois "a suntuosidade do ritual é um elemento básico para a manutenção do estado monárquico". Assim, não é um mero capricho estético: trata-se do espírito do livro, que não é puramente de História, mas de Antropologia, que procura desvendar nos rituais e na estética do Segundo Reinado os padrões de comportamento daquela sociedade.
Não tenho imagens suficientes para mostrar os detalhes a que o texto se refere; eu gostaria de mostrar ao leitor, com riqueza de detalhes, a coroação, esse grande teatro da corte. Então, o que eu não puder enxergar e copiar, terei que deduzir e imaginar a partir de fontes escritas.
Não posso inventar: existe uma descrição minuciosa da cerimônia e da Varanda, neste link: http://imperiobrazil.blogspot.com/2010/07/coroacao-de-dom-pedro-ii.html .
Só uma amostra: ""O fastígio do templo tem um baixo-relevo representando as Armas Imperiais, e no friso a seguinte inscrição: - Deus protege o Imperador e o Brasil. - o ático é coroado por uma quadriga, em cujo carro triunfante está o Gênio do Brasil, tendo na mão esquerda as rédeas dos ginetes, e na direita o cetro Imperial."
Bigas e quadrigas são motivos comuns de monumentos e arcos-de-triunfo neoclássicos. Sendo o criador ou coordenador dessas estátuas um discípulo de Debret, Manuel de Araújo Porto-Alegre, é natural que a aparência dessas estátuas siga o padrão da arquitetura européia desse período. O tal "gênio do Brasil" que conduz a quadriga deve ser um senhor parecido com esse aí abaixo, na medalha em que coroa o imperador-menino:

Juntando esses elementos, criei essa cena aérea sobre o largo do Paço, tomando o cuidado de, apesar do meu desenho não ser realista, fazer uma reconstituição plausível, dentro do que seria possível ver dentro desse raio de visão.
Com um pouco de exagero, claro (inspirado na escola Disney italiana, que os fãs costumam identificar com Cavazzano, criador de perspectivas ousadas; mas que eu conheci no traço dos artistas mais antigos como Romano Scarpa e Giovan Batista Carpi), esta vista aérea permite que se veja em primeiro plano a quadriga do "gênio do Brasil", mix de ícone greco-romano com elementos indígenas (mistura que será assunto de todo um capítulo mais adiante).

A geografia, o Pão de Açúcar ao longe e o extinto Morro do Castelo à direita estão mais ou menos dentro do que é possível ver, desse ângulo. Para o Pão de Açúcar, consultei mapas do Rio e, traçando uma linha desde a Praça 15 até ele, teria uma vista do rochedo semelhante à que podemos ver a partir do aeroporto Santos Dumont ou da Glória. Algumas fotografias e uma simulação no Google Earth serviram de base para esse panorama:
Além disso, usei diversas fotos do Paço Imperial, incluindo maquetes; ilustrações do Morro do Castelo (demolido em 1922) feitas pelos viajantes (Rugendas, Thomas Ender e outros); e uma magnífica reconstrução de Guta (Carlos Gustavo Nunes Pereira) mostrando o Porto do Rio - o ângulo do Pão de Açúcar e do Morro do Castelo é mais ou menos o mesmo.


A terceira página é no estilo "enciclopédia", em que eu redesenho a fronte da "Varanda", improvisando um pouco nos detalhes que não consegui captar, mais duas estátuas representando os rios Amazonas e Prata, os extremos do Brasil naquele tempo (é como dizer hoje "do Oiapoque ao Chuí"), das quais eu também não tinha referência - inspirei-me nas estátuas dos rios do monumento de D.Pedro I na praça Tiradentes, um pouco mais rígidas (mais "gregas", geometrizadas, e menos "românticas), aliviando o rigor com o costumeiro traço caricato que tem "licença para brincar".
As estátuas das deusas da Sabedoria e da Justiça provavelmente não eram como essas que desenhei, mas estas estão dentro do espírito e do imaginário dos artistas que decoraram a festa do jovem rei.
Imaginei que todas essas alegorias seguiam modelos europeus. Dito e feito. A representação de rios em forma de estátuas é bastante comum, praticamente um gênero. Baseei-me nestas duas - dos rios Nilo e Ródano - para recriar, com um jeito mais clássico e mais antigo, a estátua do rio Amazonas (sobre  mesmo jacaré que vemos no monumento da praça Tiradentes) e inventar uma alegoria semelhante do rio Prata, usando um índio Charrua e uma ema (porque naquele monumento não temos mais o Prata, só o Paraná, São Francisco e Madeira.

Abaixo, imagens de Palas-Athena (com seu escudo com a cabeça de Medusa) e Themis, a deusa da Justiça, representada ora com venda, ora sem.


Finalmente, nesta gravura abaixo, do tempo da Coroação, temos alegorias semelhantes às das nossas estátuas. Será que elas eram parecidas com esse desenho? Será que o rio Prata era representado por uma índia? Não sei, não consegui saber.
O hábito de representar mitologicamente conceitos, ideais, governos, países e até rios, está na raiz das nossas ilustrações e charges modernas. Quando eu desenhava o "dragão da inflação" e o "leão do imposto de renda" nas charges, era a mesma técnica de representação.
Fazer estas reconstruções históricas ajuda a entender como funcionava a imaginação da época, sua sensibilidade artística, que forma davam aos seus valores e ideais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário