imagens, registros e reflexões sobre a versão em HQ de "As Barbas do Imperador" de Lília Moritz Schwarcz

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Meu Soneto para d.Pedro - segunda versão

Nos contos de Machado de Assis & cia. sempre tinha um personagem, geralmente um estudante de Direito, "consertando" um soneto de pé quebrado.
Consertar soneto é acrescentar, tirar ou trocar palavras, de modo a encaixar melhor na métrica, nas rimas e sílabas fortes (a quarta ou a sexta). É corrigir a musicalidade do soneto.



Aprendi a fazer sonetos com Mário de Andrade, vejam vocês. Justo ele que ridicularizava todo tipo de poesia formal. Pois foi satirizando o soneto na revista modernista Klaxon, que Mário (ou outro colaborador qualquer) me ensinou os primeiros macetes nessa arte ou passatempo. Era um poema "faça você mesmo", assim:

Netuno
Ao glauco mar desci, qual pescador de pérolas
guiado pela luz de um grande sonho exul,
......................................................querulas
......................................................sul.
etc.

Ora, com essa "fórmula" - feita para desmerecer os sonetistas, mas sob medida para um iniciante como eu, de uma época sem sonetos - já dá para tentar ser, pelo menos, um sonetista medíocre... 

Porém, muito melhor que isso, consegui me tornar um bom leitor de sonetos. O esforço para tentar fazê-los me ajudou a entender e sentir, nos ouvidos e na alma, o que queriam me dizer os sonetistas de séculos atrás. O benefício que ganhei com esses modestos exercícios não tem preço. É como se, graças a um pequeno upgrade de cultura - ou uma "desatualização de software" - aquilo que até então parecia uma múmia petrificada, de repente saísse cantando e dançando pelo salão com graça excepcional, revelando tesouros de eterna beleza que meus sentidos embrutecidos não estavam em condições de perceber. 



Li em algum lugar que os sonetos de D.Pedro eram ruins. Não acho que fossem; no mínimo, o imperador era inegavelmente um versificador habilidoso e, nos diários de viagem, vemos que ele compunha dezenas de decassílabos todos os dias. Porém, nem sempre fazia o polimento necessário, e a maioria dos poemas ficava no esboço inicial. Os mais famosos, como aquele em homenagem à esposa morta, são bem construídos e sensíveis. 

Nestes quatro anos que me dediquei ao "Barbas", em dois momentos me deu vontade de treinar essa arte. Na última fase (novembro de 2011 - junho de 2012) já estava melhorzinho. Então corajosamente publiquei neste blog meu soneto para d. Pedro
Hoje fui rever... e não passou no crivo. Dei mais uma mexida. Continua pomposo e difícil como eu quis que fosse, porque tinha que ser assim mesmo, "soberano"... 

Para comemorar a chegada às lojas de "As Barbas do Imperador" - irra, afinal! - aqui vai o meu soneto para D. Pedro II em versão 2.0.

Primeiro, vai uma estrofe por vez, com ilustrações entrecortando para retardar a leitura e apoiar o seu significado, para as gerações não habituadas com este tipo de leitura (isto é, quase todo mundo).
Ao final, publicarei inteiro, porque até a beleza visual um soneto oferece, na sua sucinta harmonia de 4/4/3/3.

A PEDRO DE ALCÂNTARA – segunda versão





































Rei-filósofo de alma taciturna e fria,
monarca por Tupã & Minerva abençoado
da abrasada nação e povo apimentado,
mais a Atenas que Roma a têmpera pendia.






Cumpristes entre nós de Platão a utopia
daquele Estado ideal por sábios governado.
Pesa-vos a coroa; ergueis, na vossa via,
de Marco Aurélio e Péricles o augusto fado.












Da esquerda para a direita, o filósofo Platão e o estadista Péricles, ambos gregos, e o romano Marco Aurélio, imperador e filósofo, aqui interpretado pelo famoso ator inglês Obi Wan Kenobi.

Às Artes e ao Saber concedestes o abrigo;
pudésseis eleger o ofício em liberdade,
teríeis sido mestre, professor ou lente;
















Mas isso ainda é oportuno: perdoai, se insolente,
a pretensão de ser de Vossa Majestade
o mais modesto aluno, súdito e amigo.

agora, inteiro:

A PEDRO DE ALCÂNTARA – segunda versão

Rei-filósofo de alma taciturna e fria,
monarca por Tupã & Minerva abençoado
da abrasada nação e povo apimentado,
mais a Atenas que Roma a têmpera pendia.

Cumpristes entre nós de Platão a utopia
daquele Estado ideal por sábios governado.
Pesa-vos a coroa; ergueis, na vossa via,
de Marco Aurélio e Péricles o augusto fado.

Às Artes e ao Saber concedestes o abrigo;
pudésseis eleger o ofício em liberdade,
teríeis sido mestre, professor ou lente;

Mas isto ainda é oportuno: perdoai, se insolente,
a pretensão de ser de Vossa Majestade
o mais modesto aluno, súdito e amigo.

spacca, 08/02/2014